O paradoxo da escolha nos games

Por Ricardo Syozi

Vivemos em um mundo no qual oferece inúmeras escolhas para tudo, desde aparelhos de celulares aos jogos eletrônicos. Isso apresenta um nível de liberdade jamais visto, com opções em grandes quantidades e qualidades. Contudo, mesmo que à primeira vista isso pareça algo ótimo, há motivos para pisarmos no freio e refletir o quanto tudo pode ser prejudicial para todos nós.

Talvez você já se encontrou na seguinte situação: está na hora de decidir o próximo game que vai começar a jogar. Você abre sua biblioteca no console ou PC e se depara com mais de 50 títulos disponíveis. Alguns você comprou, mas ainda não havia se ajeitado para dar início. Outros, você recebeu em uma assinatura ou ganhou de presente. Seja como for, é difícil escolher qual obra ganhará o seu tempo nos próximos dias ou semanas.

Como resultado, você passa um bom tempo pensando em qual jogar. Vai para sites, como o How Long to Beat, para ver quanto tempo de duração a campanha tem. Visita páginas de reviews para ver se vale a pena investir suas horas vagas nessa jogatina. No fim das contas, desiste de começar uma nova aventura e vai fazer algo mais familiar, como navegar no Instagram ou ver um vídeo no YouTube.

Esse “paradoxo da escolha” é um mal moderno, como explica o psicólogo Matheus Valle:

“Achamos que ter uma grande variedade de possibilidades para escolher é algo bom. Sentimos que temos mais liberdade e controle sobre o que vamos fazer com a nossa própria vida. Mas não é bem assim. Uma das questões que isso traz é o fato de que, ao escolhermos algo, deixamos várias (por vezes milhares) de outras opções de fora, coisas que escolhemos não fazer, mas que, de certa forma, gostaríamos.”

A teoria foi apresentada em 2005 por Barry Schwartz, um psicólogo que realizou uma apresentação no TED Talks, há mais de 15 anos atrás.

barry schwartz

Muitas possibilidades nem sempre é algo bom

Em resumo, o “paradoxo da escolha” pode ser definido em algumas etapas:

- Querer fazer algo, mas ter uma quantidade muito grande de alternativas;

- Gastar muito tempo para decidir por uma das opções;

- Se arrepender antecipadamente por ter feito uma escolha, mas ter deixado tantas outras para trás;

- Criar expectativas difíceis de serem correspondidas;

- Gerar uma auto-culpa.

Como Barry Schwartz disse, a partir do momento que temos inúmeras escolhas, isso pode não trazer a liberdade que tanto buscamos, mas sim um sentimento de frustração.

Eu conversei com Henrique Garcia Laurelli, um engenheiro de campo de 32 anos. Ele destacou que acaba buscando erros em um título para simplesmente largá-lo e começar a procura pela próxima obra. Além disso, ele apontou que há muitas escolhas a fazer até mesmo antes de começar o game, em especial nos PCs:

“Percebi que no computador, eu quase não consigo jogar, pois perco mais tempo ajustando configurações para extrair o máximo de qualidade com o máximo possível de FPS. Aí, quando noto, já cansei e acabo desinstalando antes de jogar mais do que 30 minutos.”

Outra pessoa que bateu um papo comigo foi a desenvolvedora de software Raiane Caroline Souza Teixeira Ferreira, de 29 anos. Ela ressaltou que teve um momento incrível com um jogo, mas que depois disso não conseguiu mais se prender em obra alguma.

“Gostei demais de The Last of Us no PlayStation 4, mas depois não consegui me prender mais a nenhum jogo. Fico buscando pela mesma experiência, tenho até 300 games no meu console, mas começo alguns e logo paro. Depois de muito pensar, acabo jogando de novo o The Last of Us, aí fico chateada porque tem um monte de jogo parado”.

Essa incessante busca acaba atrapalhando o passatempo favorito da Raiane.

thelastofus

Muitas escolhas podem oferecer um tipo de paralisia

Segundo o psicólogo Matheus Valle, isso ocorre porque de vez em quando, a quantidade de possibilidades podem tornar a pessoa infeliz. Sim, infeliz. Isso porque a pessoa se sente obrigada a escolher algo dentro de seu catálogo, pois caso contrário, não estaria fazendo “direito” o seu hobby. 

“Esse deixar de fora também tem um certo impacto sobre como você se sente, sobre sentir que abriu mão de algo que queria. O serviço de streaming é a mesma lógica. Você quer assistir várias coisas, mas só pode uma por vez e, assim, deixa todo o resto pra lá, causando grande frustração.”

Como consequência, a expectativa sobre o produto que escolheu se torna astronômica, já que o seu tempo escasso de diversão está todo direcionado ao produto.

Será que esse game tem uma história boa? Será que a jogabilidade vai se tornar repetitiva? Será que vale a pena colocar 80 horas nessa jornada? Esse tipo de pergunta é focada nos jogos, mas pode ser direcionada para qualquer plataforma de streaming, por exemplo.

O psicólogo Barry Schwartz apontou que mesmo depois de escolher um item entre vários, a pessoa não ficará totalmente satisfeita e, provavelmente, culpará a si mesma. Enquanto joga ou assiste o que escolheu, o indivíduo ficará com a cabeça nas outras opções que deixou para trás, no seu backlog.

Dessa forma, essa lista do que queremos jogar/assistir um dia, acaba corroendo a pessoa, a paralisando de curtir por completo o seu momento com o que escolheu. Eu mesmo fico pensando em um game que comprei meses atrás, mas que ainda não tive “tempo” para começá-lo. Aí eu falo para mim mesmo: “Poxa, Ricardo, você gastou uma grana no joguinho, está na hora de jogar”. Como resultado, me sinto mal por uma escolha minha.

game

Há como "escapar" disso?

Barry Schwartz destacou que o que permite todas essas escolhas é a riqueza material. Ou seja, mesmo sendo um mal moderno, ainda é algo direcionado à pessoas com uma certa faixa monetária. Além disso, o psicólogo afirmou que essas possibilidades caras e complicadas não apenas não ajudam, mas também prejudicam.

Entretanto, essa situação não é fácil de escapar, pois envolve se desligar completamente desse mundo e do tal backlog. Felizmente, alguns de nós já conseguiram, como é o caso do professor de programação Fernando Mello de Amorim, de 28 anos.

Ele apontou que em meados de 2016, estava exausto com a simples ideia de jogar, pois o fazia como hobby e como profissional de design de games. Ele recorreu a ajuda mental e ficou mais de um ano sem jogar como diversão:

“Fiquei durante quase um ano sem jogar a não ser para o trabalho, fui curador de um evento de jogos e também era professor de programação utilizando jogos. Tenho que admitir que esse tempo me ajudou muito a me religar com alguns outros gostos que tinha quando mais jovem, como praticar esportes e exercícios físicos, também sinto que comecei a levar uma vida mais saudável, não jogo a mesma quantidade que antigamente”.

Não há uma resposta fácil para que uma pessoa consiga entender que o backlog pode ser algo muito ruim, mas vale sempre buscar por ajudas profissionais e de amigos e familiares.

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